Sobre O Livro #63 O Acontecimento de Annie Ernaux

Pode conter Spoilers

Tânia Barriga

Olá! 

O Acontecimento é um livro de, apenas, 87 páginas que nos arrebata de uma só vez, sem dó, nem piedade. Este livro fala-nos da experiência de um aborto numa sociedade francesa dos anos 60, em que tal ato era ilegal. Qualquer ajuda, fosse apoio físico ou moral, era proibido. 

Mas antes de irmos à opinião do livro, acho relevante contextualizar este livro na sociedade descrita. 

As mulheres já enfrentavam restrições muito rígidas na prática da realização do aborto, legalmente só era autorizado num caso específico, caso representasse perigo para a a vida da mulher. Com o movimento de Maio 68 e com um caso de Marie-Claire Chevalier, cuja foi violada e pretendia abortar, devido a não ter condições para criar a criança, o aborto acabou ser tema de combate para todos. Neste julgamento, muitas mulheres testemunharam a favor de Marie-Claire e que admitiram que também tinham procedido da mesma forma. Este grupo de mulheres também defendeu outra mulher que foi agredida sexualmente por soldados franceses, essa mulher chamava-se Djamila Boupacha. O grupo de mulheres, que testemunhou a favor de Marie-Claire e que defendeu Djamila, era denominado por As Chevaliers, liderado por Gisèle Halimi. Era este o ambiente social que se vivia. Prática de abortos clandestinos, em que as condições de segurança e higiene eram parcas ou muitas vezes, inexistentes. 

Neste livro, Annie Ernaux fala sobre o aborto, o momento da descoberta da gravidez, da tomada de decisão em que não se deseja a criança e da prática da mesma. Poderia referir-se de que a personagem do livro foi agredida sexualmente ou que ela ou a criança sofriam de alguma doença ou má-formação, mas nada disso. A personagem decidiu a tomar essa decisão por não se sentir preparada para tal passo. Todo o livro é uma descrição das dificuldades que a personagem enfrenta para voltar a ser ela mesma e a lidar com esta situação. Apesar de tudo, esta situação foi marcante para a personagem. 

Annie Ernaux conseguiu com uma crueza transmitir ao leitor todos os sentimentos com que a personagem se debate. Utiliza aspetos tão simbólicos, como a data e que fez o procedimento, ou a descrição do próprio procedimento. 

Senti que foi um murro no estômago, mas também acredito que é um livro necessário. Todos os temas ditos difíceis devem ser abordados por mais difíceis que sejam de ler. Se é tão importante respeitar o desejo de alguém de procriar, é igualmente importante respeitar o desejo do não fazer, ou igualmente importante respeitar e falar sobre o processo de luto da perda de uma criança ou de um aborto. 

São 87 páginas que não são fáceis de ler, mas necessárias.

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Ficaram interessados?

Beijinhos,

Tânia Barriga

Fontes: https://jacobin.com.br/2022/07/quando-as-mulheres-venceram-a-batalha-pelo-aborto-na-franca/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Aborto_na_Fran%C3%A7a