Tenho 32 anos e dos 4 avós que tive, só conheci 3. Não conheci a minha avó paterna, mas a minha mãe conta-me que, embora tenha tido uma vida difícil, era uma mulher que tinha um coração de ouro. O meu avô paterno faleceu quando eu tinha uns 5/6 anos de doença. Tenho poucas memórias dele. De quem tenho mais memórias são dos meus avós maternos que ajudaram os meus pais a criarem-me.
A minha avó materna faleceu há já alguns anos. Não me recordo há quantos, mas lembro-me exatamente desse dia, de sentir que o mundo estava a acabar e que passado o tempo de luto, teria de seguir em frente. Custou muito e embora já tenha ultrapassado o luto, o dia em que ela faleceu ainda custa a passar.
Porque é que estou a contar isto tudo?
Porque o meu avô materno morreu e eu sinto-me "sem chão".
Tenho saudades dos meus avós: de ir "dormir" a sesta obrigada, dos filhoses carregados de óleo, mas que eu amava comer, das discussões futebolísticas que tinha com o meu avô sobre o Benfica e Sporting, de ir ao café com ele para comer um ovo de chocolate. Se eles eram perfeitos, não eram! Mas mesmo com as suas imperfeições, ensinaram-me muito! Com o meu avô aprendi que uma mulher também tem direitos e não tem de se sujeitar a tudo. Só porque ele foi educado dessa forma e não conseguiu mudar a sua mentalidade, não significa que tinha de ser cega quanto a isso. Com a minha avó, aprendi a defender e a gostar de mim, a cuidar de mim, mesmo quando as rugas já são mais do que visíveis e Idon't give a fuck about that! E o mais importante de tudo, aprendi a não sair de casa, sem perfume!
Eles faleceram, tinham qualidades e defeitos. Não sou como aquelas pessoas que beatifica os mortos porque já não estão cá. Mas sou daquelas que tenta recordar os bons momentos que passamos juntos. Porque apesar de terem tanto qualidades, como defeitos, eram os meus avós. E agora?!
Este livro foi cedido pelo autor, a quem agradeço, desde já, a gentileza.
O post de hoje é sobre o livro "O Desempregado" de Ricardo Tomaz Alves, o quinto livro do escritor nascido em Alvalade. Para além de escritor, revisor e tradutor, Ricardo ainda teve tempo para cofundar uma editora musical, a Contentor Records.
Mas falemos daquilo que realmente interessa: o seu último livro - O Desempregado.
A história desenrola-se à volta de Vicente, que como o próprio título indica ficou desempregado, após ter chegado ao seu limite no seu último trabalho. Este é o ponto de partida para conhecermos Vicente, uma personagem que se encontra sem rumo, sem grandes objetivos de vida, em suma, perdido. Apesar da história se centrar na luta para conseguir um novo emprego, a história é muito mais do que isto.
Relata a luta por uma entrevista, as idas às mesmas, a frustração sentida pela falta de respostas das entidades empregadoras, pelo salário oferecido que não chega para metade das despesas e da indecisão de aceitar algo que não o deixa satisfeito, a nível profissional. A forma como todas estas situações são descritas fizeram-me criar uma ligação forte com a personagem. Todos nós já passamos por um período menos favorável, a nível laboral, e ver todas estas preocupações, frustrações e desabafos que continuam tão atuais, apesar da história se ter passado na época da Troika.
Mas, mais uma vez, a história não se resume a isto. No meio da insatisfação laboral, Vicente também divaga e desabafa sobre a vida familiar, que tantas formas pode ganhar: a tradicional (pais, avós), aquela que escolhemos (amigos) e aquela que a vida nos força a ter, sem nos darmos conta (D. São). O autor toca num ponto sensível: como nos afastamos das pessoas que nos amam, com a desculpa de compromissos laborais ou com outra desculpa qualquer com a justificação de que um dia teremos tempo. A passagem da D.São é ternurenta, mas também foi das mais difíceis do livro. A crítica social continua presente na temática da família, com particular incidência de como ela é nas grandes cidades: o isolamento que a população idosa sofre e as soluções que tem de engendrar, de modo, a terem companhia e um pouco mais de qualidade de vida.
O autor conta isto tudo num tom cru, despretensioso, sem paninhos quentes, talvez por isso, chegue a ser duro. Contudo, é uma dureza, à qual estamos habituados, infelizmente. Basta olharmos para a vida real do mundo do trabalho e refletirmos como é difícil ficar efetiva, atualmente, ou não ter dois e três part-times para pagar as contas.
Quanto à temática laboral, só deixaria duas pequenas notas ao autor. A primeira seria a forma como descreveu a forma física de algumas empregadoras, como se as objetificasse. Acho que seria de evitar ou caso quisesse ir por aí, para demonstrar um traço da personalidade da personagem, poderia ter suavizado um pouco. A segunda nota seria sobre as divagações mais filosóficas, enquanto espera pelas respostas e passeia por Lisboa, acaba por cortar um pouco o ritmo da história.
Mas não se aflijam, a história não possui só momentos dramáticos ou filosóficos, também contém momentos hilariantes, que acredito que alguns deles tenham um pequeno fundo de verdade, não?! Refiro-me, por exemplo à luta contra o sistema por um grupo antisistema que levou Vicente para terras espanholas, como também alguns dos diálogos entre Vicente e algumas forças de segurança. Apesar do rapto de uma figura do governo ser algo improvável de acontecer, a planificação do rapto e mesmo o diálogo ocorrido nessa passagem foi simplesmente, linda! Todavia, toda esta situação despoletou situações mais tensas que me fizeram ficar com o coração nas mãos.
A história de Ricardo parece simples, mas não se deixem enganar pela sua simplicidade. Ela é o retrato ainda atual de uma sociedade que ainda não encontrou o seu rumo.
Aconselho vivamente à leitura desta obra. Para mais informações sobre o autor, Ricardo Tomaz Alvez, podem consultar a sua página do Goodreads ou do Instagram. Mais uma vez, grata pela oferta.
Já leram esta obra ou outra do autor?
O que acharam?
Digam de vossa justiça, aqui nos comentários ou na página do Insta @naomefacamperguntas.